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quarta-feira, 16 de abril de 2008

Verdades e mentiras sobre o decantado sucesso econômico do Chile propagado na cobertura internacional e econômica de nossa mídia

Recebemos este artigo no e-mail da JR e o pedido de espaço para publicação:

* Por Adelina Lapa
Sempre entendi, segundo o "economês" que leio na grande mídia, baseado na crítica à capacidade dos países de se inserirem com sucesso em regras de um reconhecido "mercado" mundial e globalizado, que o Chile é um país com uma economia sólida, conquistada por meio de grandes mudanças políticas e econômicas , como a do estado mínimo defendida pelos liberais e neoliberais.

Pois bem, lá fui eu, como turista, conhecer esse belo país e o sucesso dessas decantadas medidas rumo ao ideal denominado "primeiro mundo". Como está a vida dos seres humanos que vivem na terra de Salvador Alliende e de tantos outros que morreram na luta pela união latino-americana para a construção de uma sociedade mais justa, com igualdade de oportunidades para todos?

De acordo com a guia que nos apresentou Vina Del Mar rumo à capital do país, Santiago, o salário mínimo do Chile é de 450 dólares; o índice de analfabetismo praticamente zero e os chilenos trabalham muito, em média até 14 horas por dia. Tudo bem. Fui com um grupo de amigos, a maioria profissionais liberais, médicos e advogados, acostumados a jornadas até maiores de trabalho.

Leitores e assinantes de vários jornais e revistas semanais, alguns amigos do grupo entusiasmavam-se com as informações fornecidas pela guia, e acrescentavam outras, em frases e chavões memorizados de artigos de jornalistas econômicos do nosso querido Brasil.

Confesso que fiquei aflita ao ver meus queridos amigos prazerosos por constatarem a veracidade dos periódicos que lêem nas palavras da guia de turismo, enquanto contemplavam as belas paisagens da região. Ela nos garantiu que Santiago é uma cidade calma e super segura, embora abrigue metade da população total do país: 16 milhões de pessoas. Meus amigos sentiram-se chegando próximo do paraíso.

A cidade é linda, mas infelizmente fomos surpreendidos com atos de grosseria e violência. Como carioca apaixonada pelo Rio e encantada pela beleza do Chile, prefiro não entrar em detalhes sobre o trauma sofrido. Fico com a letra da música dos Titãs: "miséria é miséria em qualquer canto/riquezas são diferentes". E além do mais, "gente é para brilhar/ não para morrer de fome", como cantaram os roqueiros brasileiros inspirados na poesia do russo Vladimir Mayakovsky.

Decidi treinar meu espanhol, me aproximando das pessoas e tentando conversar com elas sobre como se sentiam em relação ao proclamado sucesso econômico e político de seu país. Conversei muito. Ainda bem que estávamos em grupo, pois tinha mais liberdade de circular e ficar conversando, junto com outros amigos, que também queriam fazer o mesmo, enquanto outros optaram por apreciar outras belezas da terra.

Um casal chileno muito simpático justificou as agressões que sofremos. Contou-nos que o povo está trabalhando muito e que não tem condições de pagar as despesas. Rolam suas dividas em inúmeros cartões de créditos, já que não há dinheiro na praça. Comentou ainda, que todos estão todos muito descrentes com políticos que enriqueceram inexplicavelmente, de uma hora para outra, enquanto promoveram reformas de um estado mínimo, que não investe nem no ensino fundamental. O governo chileno, segundo o casal, custeia 60% das despesas com a educação das crianças chilenas. Aos pais compete pagar os 40% restante.

Lembrei-me do querido Professor Bernardo Kucinski, com quem tive a honra de trabalhar nos primeiros tempos do governo Lula. Sob sua orientação, fazia a sinopse internacional das notícias sobre o Brasil e artigos de interesse nacional publicados nos jornais de língua inglesa e espanhola. Foi uma experiência gratificante, pois pude perceber que o receituário prescrito por especialistas internacionais para os países da América Latina, e seguido a risca pelo Chile, não é unanimidade entre muitos e renomados economistas.Nossa mídia não parece interessada no pluralismo de idéias, pois tive amigos revoltados com o que chamaram de mentira transmitida sabe-se lá a que preço (na opinião deles).

No final da viagem, jornalistas eram pichados, tidos como desonestos intelectuais etc. Quando chegamos em São Paulo para pegar o vôo de conexão que nos levaria de volta pra casa, ao pararmos numa lanchonete, puxamos conversa com um jovem de 28 anos que estava viajando a trabalho e, na troca de idéias sobre a conjuntura mundial, ele vem com esta: "não sei o que vocês fazem, me desculpem, mas não acredito mais em jornalistas...." Nos olhamos, sorrimos e escutamos as razões do rapaz, que já é outra história, para, quiçá outro artigo chato como esse.

Um rapaz negro, diplomado, com bom emprego e criado numa das regiões mais pobres e violentas de São Paulo mostrou-nos um senso crítico aguçado sobre a realidade do Brasil e do mundo, e mais aguçado ainda em relação ao jornalismo que se faz no Brasil. Ele nos fez lembrar de Salvador Allende e tantos outros conterrâneos dessas bandas do hemisfério sul que lutaram por estados mais justos e igualitários junto com a perspectiva de unidade latino-americana. Em memória deles, não será hora de mudarmos, de nos tornamos mais fraternos, solidários e de deixarmos de propagar mentiras e ocultar verdades como a concentração de renda violenta que sofre o mundo?

Bernardo Kucinski, profissional primoroso, digno e honesto com quem tive a honra de conviver, tolerando e compreendendo seus momentos de mau-humor, ocorridos muitos vezes por conta de sua rigidez moral e insaciável vontade de fazer coisas boas, me ensinou muito. Com certeza não quero me definir como liberal, neoliberal ou coisa parecida. Que nos venha um UOL da esquerda e o pluralismo de idéias e ações governamentais que nos levem a um mundo mais justo, que tantos deram a vida para construir.

* Por Adelina Lapa, servidora pública formada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo e pós-graduada em políticas públicas na Universidade de Brasília (UnB)