A ocupação da Diretoria fazia parte de um calendário de lutas dos estudantes das universidades estaduais paulistas, que estavam ocorrendo naquele momento. Essas lutas foram desencadeadas principalmente, após a promulgação de alguns decretos pelo governador José Serra (PSDB), que entre outras coisas, feria a autonomia das universidades.
O ponto de partida foi a ocupação da Reitoria da USP em São Paulo, que durou cerca de 50 dias. Depois, uma onda de mobilizações de estudantes, professores e funcionários, varreram as estaduais paulistas. Porém, um ponto a ser observado é o de que a maior mobilização e consciência nesse processo de sucateamento e de precarização que vêm sofrendo o ensino público, vieram por parte dos estudantes.
O objetivo neste breve texto, não é somente relatar os acontecimentos passados, mas também, propor algumas reflexões. Passaram-se um ano e os problemas da universidade pública permanecem. Dentre eles, podemos citar: o sucateamento do ensino, sem nos esquecer da precarização das relações de trabalho dos servidores públicos e dos muitos funcionários terceirizados, dentro da universidade; o corte de verbas para a permanência dos estudantes de baixa renda. O sistema de contratação dos professores ainda é o mesmo, de caráter temporário, sem nenhum vínculo empregatício. Isso impossibilita a realização de trabalhos de pesquisa (um dos tripés do ensino público), provocando também a falta de orientação aos estudantes.
Na UNESP de Araraquara houve repressão ao movimento estudantil, pois três estudantes sofreram um processo de sindicância e acabaram sendo suspensos pela Congregação (órgão máximo deliberativo da universidade). Aliás, nós estudantes, fomos duramente reprimidos exatamente no momento ápice de nossa organização e mobilização, afinal de contas, manter uma ocupação não é tarefa fácil.
Nossa organização se pautava em Comissões rotativas e abertas, de alimentação, limpeza, segurança, de imprensa e etc. Deixamos o conforto de nossos lares, todos os nossos afazeres e compromissos, para nos dedicar a uma causa nobre e que diz respeito ao conjunto da sociedade: os problemas da universidade pública, o sucateamento do ensino e a privatização da educação. Todas essas questões são fruto de um processo histórico e há anos vêm sendo discutidas pelo movimento estudantil.
O cotidiano da ocupação foi permeado por discussões políticas, debates, atividades lúdico-esportivas e o mais importante, por um sentimento de luta e companheirismo compartilhado por todos, que naquele momento, deixaram de lado suas diferenças ideológicas para se unirem a uma só causa: a defesa intransigente da universidade pública.
Por que será que incomodamos tanto? Será que é por que nossos questionamentos estavam pautados na realidade e não numa aspiração lunática? Ou por que, atrapalhamos a ordem e o funcionamento normal da universidade?
A história das lutas de classes nos mostra que quanto mais a ação se radicaliza, mais cresce a reação. E foi isso que presenciamos na UNESP de Araraquara. A “reação” passou a se organizar e tentou acabar com o nosso movimento e nossa mobilização. Numa Assembléia lotada e conturbada, os estudantes contrários a greve e a ocupação, mostraram suas “garras” e em atitudes totalmente reacionárias e direitistas, recusaram-se a realizar qualquer tipo de discussão e a única coisa que desejavam era votar pelo fim da greve e da ocupação.
Nesta Assembléia do dia 19 de junho de 2007, estavam presentes cerca de 800 estudantes. O primeiro problema que tivemos de enfrentar foi em relação ao espaço físico. O Anfiteatro da FCL não agrega esse número de pessoas. Nos deslocamos para um espaço abaixo da biblioteca.
Quando conseguimos nos acomodar, já se passava das 22 horas. A discussão começou a acontecer em torno de uma questão que não era central: se a Assembléia teria um teto para terminar, ou se só sairíamos dali depois de discutir toda nossa pauta. Isso foi posto em votação. Percebendo que a segunda alternativa, estava prestes a vencer, um grupo de estudantes reacionários, voltou a tumultuar a plenária e começaram a gritar que iriam invadir a ocupação, com o intuito de quebrar coisas, enfim “badernar” algo que estava organizado e colocar a culpa nos estudantes que estavam mobilizados.
Foi uma tremenda correria. Houve agressões verbais e até físicas. Estudantes contrários ao movimento começaram a nos ofender, a proferir palavras preconceituosas, homofóbicas, sempre na tentativa de por fim a toda nossa mobilização.
Todos se dirigiram ao espaço em frente a Diretoria ocupada. Os estudantes que ali permaneceram, iniciaram uma plenária para discutir os fatos ocorridos naquela noite. A discussão correu madrugada adentro. Quando por volta das 2 horas da madrugada, fomos surpreendidos com a “visita” da Tropa de Choque.
Posso dizer que foi no mínimo, assustador. Será que éramos tão perigosos assim, a ponto de ter uma média de pouco mais de dois policiais para cada estudante? Nós não reagimos, colocamos em prática nosso plano de ação; distribuímos, conforme já havia sido combinado, alguns estudantes para o lado de fora e os demais ficaram do lado de dentro da diretoria. Aos poucos fomos saindo, todos juntos, de braços dados cantando uma música de protesto e gritando em coro: “São 20 anos sem ditadura e a repressão ainda continua”.
Acredito que nossa saída foi triunfal, afinal em nenhum momento abaixamos a cabeça e perdemos a união. Na calada da noite, a tropa de choque entra pelo portão da frente da FCL e junto ao comboio de policias, está o nosso diretor, que sob o respaldo da Congregação, permitiu tamanha barbárie.
Fomos levados a um Distrito Policial por dois ônibus da CTA (Companhia de Transporte de Araraquara). Por lá, permanecemos cerca de 8 horas dentro desses ônibus. Aos poucos, um a um foi descendo à Delegacia e prestando seu depoimento. Fomos qualificados e logo em seguida, liberados.
Foi uma madrugada de medo, angústia, cansaço e inconformismo. Afinal de contas, não estávamos dispostos a negociar com a polícia, mas com a Diretoria da universidade. Um detalhe importante, o campus no ato da invasão foi evacuado, não havia mais nenhum funcionário e os portões foram trancados. A imprensa, os (poucos) professores que nos apoiavam e nossos colegas que estavam do lado de fora foram impedidos de entrar.
Um ano depois, o que fica para nós é a percepção de que a história é construída pela luta de classes, pelos seres humanos e de que nós fomos e sempre vamos ser sujeitos históricos dessa luta. É por isso, que a memória dessa luta nunca pode se perder; afinal cada um de nós se lembra dos fatos de formas diferentes, mas a memória em si é coletiva e uma forma de resistência.
* Gracielli Prata – 4° ano de Ciências Sociais da UNESP – Araraquara